sexta-feira, junho 02, 2006

agasalho

o que te posso ainda dizer – se ainda me podes ouvir – é que te rasgo a pele do corpo onde te escondes
a realidade vazou os olhos das crianças
tudo apodrece
rasgo-te para que nada percebas

trago-te para dentro do meu útero velho para que não saibas que a vida se enterra no excremento do tempo

as moscas sobrevoam as cabeças dos vivos
por isso te deixo assim sem pele
podes dizer que tens sorte

sento-me ao teu lado a reter-te na retina, a calcinar-te na memória

infértil moradia onde os corvos se alimentam

permanecerei imóvel sobre a parte mais triste do meu corpo
a alimentar-te com o meu sangue
a enxugar os espasmos oleosos das tuas lágrimas
e a ver-te partir devagar

aqui onde abrigarei a aureola imatura da tua ausência

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