quarta-feira, julho 12, 2006

e todas as rosas do mundo


"Na escuridão absoluta, a escuridão absoluta. Na escuridão, o silêncio. O frio. O medo de qualquer coisa desconhecida. E o tempo era o rio lento, negro, frio, que levava consigo o tempo de quem perdeu tudo. Eu sentia que morria devagar.
[...]
Passos pequenos, frágeis. Talvez os passos de uma criança. Talvez os passos de uma menina que caminhasse devagar, escolhendo o seu caminho. Os meus olhos viam. E, entre o fogo, atravessando as chamas, vi o rosto daquela que desaparecera dentro de mim.
[...]
Eu não tinha braços para lhe estender. Eu só tinha os meus olhos para a abraçar. Os nossos olhos eram atravessados pelo corpo fino das chamas que se levantavam no quarto. Ela disse a tua vida foi muito importante. Eu amava-a ainda. Ela disse deste a tua vida para entender que o amor é impossível. O amor é o sangue do sol dentro do sol. Algo dentro de qualquer coisa profunda. Ela disse desta a tua vida para entender que o amor é a solidão. Ela disse estavas certo desde o início, o amor é tudo o que existe.
[...]
Ela olhou muito para mim. Ela era o seu rosto de menina, a sua pele pura. Lembrei-me dos meus dedos sob a água limpa de uma fonte. Ela era a mulher mais bonita do mundo. Ela era a manhã sob o céu a iluminar a claridade. Ela disse amo-te. Ela, o seu rosto puro, diante de mim, as chamas, o fogo, disse amo-te. Como palavras impossíveis e como únicas palavras. Eu sorri tanto. Fui feliz e, nesse momento, morri."

José Luís Peixoto in Uma Casa na Escuridão

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